Instalação (estrutura em madeira 520 x 120 x 120cm, vídeo HD, 12s em loop a partir de fotografias digitais, som), 2018.
O desafio de trabalhar a partir do Livro III da obra Da natureza das coisas de Lucrécio (séc. I a.c.) de forma site-specific para o espaço do Planetário do Porto, leva-nos à construção de uma estrutura em madeira na área interior do Planetário.
No seu Livro III, Tito Lucrécio trata o tema da morte e da natureza da alma, apresentando 24 argumentos para sustentar a sua visão de um mundo de corpo e alma finitos, num universo sem deuses, constituído por partículas e átomos.
Em Alguns argumentos, 24 para sermos mais precisos, o público observa o objeto e observa o dentro do objeto, pela projeção de um vídeo que cria uma atmosfera para pensar uma relação entre partículas num mundo com coesão interna, de cima para baixo: das estrelas às partículas do subsolo. A estrutura é arquetípica remetendo para construções de utilidade básica: o telescópio, o observatório de pássaros, o depósito de água… A monumentalidade escultórica da peça – com os seus 5 metros e 20 – assenta, todavia numa simplicidade construtiva aparente, concretizada em madeira simples. Mas a experiência física da obra altera-se quando nela penetramos, surpreendendo-nos com a dimensão humana do seu interior. Entre o posto de vigia e a câmara de observação no exterior, a peça no interior é uma câmara de dimensão humana, um módulo para um corpo. Quando o corpo do visitante entra na estrutura, torna-se no centro da peça, que assim, de certa forma, se completa. Um corpo atraído para a terra, mas com o olhar para cima – corpo tenso e auto consciente. Em cima do observador, o vídeo constrói-se como uma animação, por uma sucessão ritmada de fotografias. Uma mão – medida de todas as coisas – projetada sobre um fundo negro abissal testa diferentes gestos, 24 para sermos mais precisos, numa linguagem ficcionada para tentar conhecer o mundo, convocando a linguagem gestual, os 24 caracteres do alfabeto, os 24 frames que constituem o segundo do vídeo e os 24 argumentos de Lucrécio, em 12 segundos de loop contínuo. Mas essa mão que ali está também oprime, e bate-nos abalando o nosso próprio corpo vivo. A obra em vídeo dentro da escultura, que não se adivinha de fora, surpreende igualmente por não ser visível o mecanismo da sua projeção. A obra como um todo, com a sua estrutura em madeira, o filme sonoro, a parafernália que se intui ter que existir no seu interior para a sua visualização (projetor de vídeo, reprodutor do vídeo, colunas de som, tela…) apresenta-se simultaneamente como objeto artístico e mecanismo para visualizar o objeto artístico. Um objeto complexo portanto, que se constitui como uma tentativa de uma linguagem (artística, visual), um alfabeto de 24 gestos para questões filosóficas. Uma possibilidade de discutir, também com o objeto artístico, a tarefa do representar.
Exposições:
Sem Imago Mundi, Antes um Desvio Aleatório – Planetário do Porto, 2018, com curadoria de Eduarda Neves.